*por Angélica Rizzi
(entrevista com Fernando Ramos)
Para definir o que é beat ou beatnik continua sendo um exercício improdutivo.A força do termo podendo estar no seu poder de existir sem uma categoria ou definição definitiva.Podemos apenas definir o período que se caracterizou por ser pós-guerra Mundial, tendo sua autoconsciência ocorrida em 1948, mas descoberta pela mídia quase uma década depois.E com a descoberta veio a maior aceitação e por conseguinte a facilidade de seus autores de publicarem suas obras, em alguns casos com até dez anos de antecedência.
O termo "beat" é gíria antiga, utilizada nas ruas entre as pessoas de poucos meios, basicamente reafirmando a idéia de estar cansado e vencido (pela vida). O termo também passou a se emprestar à escória social para designar uma negociação de tráfico que terminou mal. Pagar por heroína e descobrir depois que levaste açúcar ou talco, é ser beat (vencido). :
O livro pé na estrada de Jack Kerouac fez sucesso em 1957 e ainda tem saída garantida nas livrarias de todo mundo.Os escritores beats falam no ritmo e na linguagem do jazz e detestam a obsessão da classe média por objetos e pela harmonia.
Foi em São Francisco em 07.10.1955 que este grupo de poetas desconhecidos se mobilizaram e resolvem realizar um recital gratuito em uma galeria velha que ficava no bairro negro da cidade.
Postaram cartazes pelos arredores, incluindo o bairro latino vizinho e realizaram o sarau.
A galeria era chamada de The Six Gallery que na verdade se tratava de uma antiga oficina mecânica transformada naquele ano em galeria.Jack promoveu uma vaquinha e comprou umas garrafas de vinho por 85 centavos o que se tornou parte do programa.Haviam em torno de 150pessoas no local para ouvir poesia e beber vinho medíocre.
Naquela tarde com Philip Lamantia e suas poesias surrealistas(ver também dadaísmo).
Seguiu então Phlip Whalen que em seus poemas misturava de forma convincente o gênero e ironia beat com teologia zen budista.Michael Mcclure recitou poemas sobre a natureza e retratou o assassinato de baleias e amores intensos.
O escritor Jack Kerouac introduziu a frase geração beat em 1948, generalizada do seu círculo social para caracterizar o submundo da juventude anti-conformista, reunida em Nova Iorque naqueles anos.O nome surgiu de uma conversa com o novelista John Clellon Holmes que junto com um manifesto no The New Tork Times.
”Assim, na América, quando o sol se põe e eu sento no velho e arruinado cais do rio olhando os longos longos céus acima de Nova Jersey, e posso sentir toda aquele terra rude se derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão até a costa oeste e toda aquela estrada seguindo em frente, todas as pessoais sonhando nessa imensidão, e em Iowa eu sei que o agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as crianças chorar e essa noite as estrelas vão aparecer e você não sabe que Deus é a Ursa Maior?”(trecho livro On the road, Jack Kerouac)
O termo beat se tornou bem popular entre as décadas de trinta, pós- recessão e quarenta, pós- Segunda Guerra Mundial. Para aqueles que viveram estes tempos na ponta mais baixa da escada social, ser beat é roubar ou ser roubado, é estar no mais baixo da baixaria. É estar sem dinheiro, sem teto, ou sem a dosagem diária necessária de birita ou entorpecente para se atingir o nirvana particular, evitando assim as cólicas da abstinência que ficam sempre à espreita, aguardando escondido nas partes mais sombrias do seu id.
1)A contracultura Beat deixou respingos na arte brasileira.Isto é, na arte musical brasileira. Década de 50 “Anos Dourados”.Explique?
Acho que a tropicália é um reflexo da contracultura. E seu mentor, Caetano Veloso, é um artista que quase sempre teve uma atitude contracultura. No anos 50 no Brasil, tínhamos a bossa nova e na sequência a Jovem Guarda, que inspirou um tanto da tropicália. O artista mais contracultura, num sentido amplo, hoje talvez seja o Jards Macalé. Daria pra citar o Tom Zé, que é contracultural, mas o Tom Zé parece que tem algo a mais, vai um pouco além, talvez seja a genialidade.
2) O universo beat é recheado de metáforas existenciais e até espirituais.Kerouac o idealizador do movimento dizia que beat para ele significava “beatificado” “iluminado” e para outros poetas beats, “como por exemplo” Allen Ginsberg o termo não tinha explicação definida.Para ti , jornalista que trabalhas com cultura.Na tua formação leitor-escritor, como definirias o termo.
Do tanto que li (além da ficção e poesia), sejam ensaios, entrevistas ou matérias, concluo que não há uma definição exata do que a expressão beat queira dizer. Ginsberg que sabia das coisas tem razão. Beat, assim como jazz, que busca o máximo possível de liberdade criativa e de comportamento, cuja motivação maior é a busca da liberdade incondicional, não deve ser definido ou catalogado. Mas, de todas as versões, a considerada definitiva e confirmada é aquela publicada no prefácio de um livro de Ginsberg, The Beat Book: “A expressão ‘beat generation’ surgiu em uma conversa específica entre Jack Kerouac e John Clellon Holmes em 1948. Discutiam a natureza das gerações, lembrando o glamour da lost generation, e Kerouac disse: ‘Ah, isso não passa de uma geração beat’. Mas o que nem todo mundo sabe é que o autor de On the road captou o termo de Herbert Huncke (um garoto de programa, ladrão e viciado, um cara que fascinou todos os beats). Kerouac ficou encantado com o modo como Huncke usava sem parar o termo “beat” – que nos circos itinerantes significa “cansado” e “abatido” – e usou a expressão para batizar toda uma geração.
3) No Brasil quais artistas se deixaram influenciar pela contracultura Beat.Enumere.(artes plásticas/literatura/música/teatro).
Bah, acho que dá pra fazer uma lista enorme, se pegarmos somente os declaradamente filhos da contracultura. Há um livro famoso do Luiz Carlos Maciel sobre contracultura e outro sobre a, denominada por ele, Geração em transe. E a lista é grande. Aí vai: Cazuza, Roberto Piva, Chacal, Caio Fernando Abreu, Arnaldo Batista, Zé Celso Martinez Correa, Torquato Neto, Hélio Oiticica, Júpiter Maçã. Todos beberam nos ideais da contracultura, mas não ficaram parados, foram além, e todos criaram sua própria contracultura dentro da contracultura
4) Qual a tua teoria sobe o sucesso literário de Jack Kerouac pós-morte.Pois, sua biografia continua vendendo muito, principalmente nos EUA. Juventude sem heróis,sem sonhos, ou simplesmente curiosidade..
Não tenho uma opinião. Um chute, sim: a sua qualidade literária. Há, em meio a tanta coisa que ele publicou, textos de qualidade.
5) Os poetas beats foram importantes porque criaram uma literatura ont the road, em movimento, verborrágica,inusitada , onde escreviam no ritmo e na linguagem do jazz e detestavam a obsessão da classe média por objetos e pela harmonia, ou, simplesmente foram poetas(vagabundos iluminados) entediados em busca de aventuras.Comente.
A questão da forma é importante, claro, mas acho que o valor da chamada geração beat é o conteúdo, o recado dado. Os caras denuciaram que o mundo estava caminhando para a caretice e a brutalização absurda, o que realmente aconteceu. Essa é a maior importância. Eles viram o que estava acontecendo e gritaram contra, e muitos deles com uma lucidez genial. A vagabundagem e o tédio como filosofia de vida podem ser uma eficiente reação ao mundo padronizado e totalitário, nesse sentido Barthebly, do Herman Melvile, com seu “prefiro não” é um precusor dos vagabundos iluminados.
6) Jack deixou mais de 20 livros em seus movimentados 47 anos de vida.Quais das obras editadas do autor que para ti mais retratam o universo beat.
Acho que é On the road.
7) A herança beat no rock roll provém através de imagens através de ícones do cinema, como por exemplo, Marlon Brando e James Dean e o cantor Elvis Presley com as costeletas grossas.Comente.
O cinema sempre dedicou-se mais aos mitos do rock. Não são muitos os filmes que focalizam o universo beat. Agora, recém saiu Howl nos Estados Unidos. Mas, no final das contas, beat e rock estão bastante misturados. Realmente, Brando, Dean e Elvis definiram essa iconografia e deixaram pouco espaço no imagiário cinematográfico para uma figura beat essencialmente. Kerouac pediu/rezou para que Brando filmasse On the road. Há uma carta (confere aqui http://www.lpm-editores.com.br/blog/?p=5345) de Kerouac para Marlon Brando: Querido Marlon, eu estou rezando para que você compre ON THE ROAD e faça um filme dele. Não se preocupe com a estrutura, eu sei como condensar e rearranjar um pouco a trama para torná-la mais aceitável para o cinema: transformando todas as viagens em uma só, todas as viagens que no livro são muitas numa única jornada de ida e volta de Nova York para Denver, para Frisco, para o México, para Nova Orleans e de volta a Nova York. Eu já visualizei belas tomadas que poderiam ser feitas com uma câmera no banco da frente do carro, mostrando a estrada (de dia e de noite)… enquanto ela vai se desenrolando pelo para-brisa e Sal e Dean vão tagarelando. Eu quero que você interprete Dean (como você sabe). Hoje que está filmando On the road é Walter Sales. Antes tarde do que nunca.
8) Em 1957 o então prefeito de São Paulo Jânio Quadros proibiu o rock roll nos bailes. Quem foram os “beats” no Brasil neste período onde Juscelino Kubitschek prometia avançar 50 anos em cinco.
Sinceramente, não sei. Madame Satã? Carlinhos de Oliveira? José Alcides Pinto?
*Fernando Ramos é editor do Jornal Vaia e idealizador do Festipoa em Porto Alegre-RS.
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